terça-feira, 22 de setembro de 2009

Poema em Linha Reta


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,Indesculpavelmente sujo,Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,Que tenho sofrido enxovalhos e calado,Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachadoPara fora da possibilidade do soco;Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigoNunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humanaQue confessasse não um pecado, mas uma infâmia;Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?Eu, que venho sido vil, literalmente vil,Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.



Fernando Pessoa(Álvaro de Campos)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

É como amar


Ouvir você, me inspira
Os teus acordes desafinados
São os mais fanáticos aos meus ouvidos
Ouvir você gritar palavras desconexas ao vento
É como o anoitecer
Você é digno de ser observado
Descobri assim uma outra forma de amar
Amar os desatinos, a imensidão
O profundo e o nada
Apenas olhar o mar
E vagar no escuro dos seus olhos adormecendo
Observar teu corpo desmoronar no abismo da felicidade
Isso é amar de verdade
M.A

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Meu teatro pra você


Não estou pedindo pra você falar nada mesmo
Só estou falando
Por falar
Nem sei por quê
Eu falo tudo pra você mesmo
Mesmo você não querendo falar
E não me respondendo
E me ignorando
Eu me sinto segura conversando com você
Eu vou continuar falando, falando e falando aqui
Mesmo sozinha
To nem aí
Nem pra você
Eu gosto mesmo de fazer monólogos na sua frente
M.A